segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

sábado, 4 de outubro de 2014

Na maioria do tempo eu acho que só queria sentir algo. Um medo. Uma vontadezinha de chorar até soluçar ou de rir até perder o ar. Mas não há nada. Só há pequenas nostalgias que não podem ser chamadas de emoção. Teria meu coração congelado para sempre?
Quando eu acordei sozinha não tive medo, pela primeira vez minha consciência estava limpa. Não estava envolvendo ninguém num drama que é meu. Fiquei ali, deitada olhando um incenso queimando. Mas eu sabia que quando ele parasse de sofrer ele seria feliz. E eu? Ninguém jamais ficaria em tempos tão ruins como ele ficou. Mas poderia eu fazê-lo feliz?
Me sinto vazia, cinta e fria e não há nada que ele possa fazer pra mudar isso, nem haverá. Ás vezes consigo acreditar que meu coração é só um pedaço de mármore. De qualquer forma eu não sofri nenhuma ausência naquele dia, a não ser a minha, mas com essa eu já me acostumei há muito tempo. E as horas seguem passando (...)
Cedo ou tarde uma jovem sorridente cruzará o caminho dele.
Talvez já tenha cruzado mas ele não tenha se permitido vê-la.
A ideia de outra pessoa me enlouquece. É sábado. Sábado é um dia propício pra conhecer pessoas.
Mas eu sinto pela primeira vez que fiz a coisa certa. Não posso condenar um anjo a uma vida no inferno.
O que mais dói é o esquecimento.
Saber que ele vai esquecendo com o tempo pequenos momentos incríveis e simples que passamos. As tardes e noites que passamos deitados nos empanturrando de pipoca e vendo filmes. Que vai esquecer dos banhos que tomamos juntos e de como eu gostava de quando ele lavava meu cabelo. Ou dos passeios que fizemos, que darão lugar a novos passeios com novas pessoas. Saber que ele vai esquecer o som do meu riso e do meu gemido, mas que eu não esquecerei o dele. E que isso é justo. Saber que meu nariz vai esquecer do cheiro do almíscar misturado com o suor dele e Deus, o suor dele é tão bom. Por que eu não consigo aceitar que ele fique aqui até minha próxima crise?
Preciso ser forte como nunca fui.
Eu sou um lobo em pele de cordeiro que se recusa a comer a ovelha. Quando a ovelha me olha com seus olhos alaranjados eu paraliso e me esqueço de quem sou. E ela se torna meu predador. Mas até quando duraria meu disfarce?

quarta-feira, 1 de outubro de 2014


TABACARIA (TRECHO) - Álvaro de Campos


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


(...)

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas
-Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(...)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

(...)

segunda-feira, 8 de setembro de 2014


Ida

Nunca vou poder te explicar. Não da forma que você merecia. Não é abandono, é ausência. E você tem direito de reclamar. De chorar. De xingar. De perder o controle e esmurrar a parede. Pareço monstruosa te enfiando na goela uma decisão que é minha. Mas se é sobre meu ser, a decisão não caberia a mais ninguém. Sinta saudade em paz. Eu vou estar sentindo também. Chore e ria e me anote coisas pra eu ler no fim de semana com você. Mentalize coisas boas pra mim. Vou estar fazendo o mesmo a distância. Preciso ir, nem que seja pra voltar depois. Não sofra, vou estar aqui. Vou continuar te amando. Volto sempre que puder. Não ouso dizer que é justo, mas é assim. Perdoe a ditadura, nunca fui muito democrática com o meu caminho. Pra finalizar, talvez você não tenha entendido (ou tenha). Mas você é meu amigo Pedro.
Lembre-se que cada um de nós é um universo e onde você vai eu também vou.
Não se esqueça.

terça-feira, 1 de julho de 2014

(...) Quisera eu saber o que dizer enquanto surtava. Até que ponto a sanidade faz mais sentido que a insanidade? Eu sou uma vadia e estrago a vida da unica pessoa que realmente me ama, todos os dias. Ele, de olhos fechados, me elogia e permanece ali. E, em alguns momentos lúcidos peço que vá, antes que não sobre mais nada. Mas ele fica. Fica me olhando como se eu tivesse algo que prestasse em mim. Não há nada, mas ele o enxerga. E vai ficando. Nunca fui realmente capaz de abrir seus olhos, mas me delicio tanto com sua presença que deixo que ele fique mais uma semana ou um mês. Eu o amo. Eu não sei amar ninguém. Esse amor torto e indigno nem devia ser chamado de amor. Ele é tão puro e incrível. Como se Deus um dia pensasse que o Diabo seria digno a Ele. Será que Lúcifer era uma mulher? Luci sabia que podia estragar tudo, mas ele sempre sorria aquele sorriso divino e ela ficava. Aposto que quando se jogou não teve coragem de lhe lhe dizer nada, apenas cair e deixar que tudo caísse. No chão ela pode sentir seu desapontamento, sua decepção, seu asco, seu ódio. Seus filhos não seriam mais seus, pois ela não era digna de merecê-los. Quisera ela saber como explicar. Quisera eu saber o que dizer.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Colombo apaixonado

No começo haviam todos os prazeres da descoberta. E descobrimos um mundo que ainda não tínhamos visto, tudo tinha um cheiro eufórico de novidade. E nós crescemos e seguíamos a rotina dos dias. 
E num instante idiota eu cogitei seguir um caminho sozinha de novas descobertas. E descobri a coisa mais importante que eu poderia: Descobri que não quero ser desbravadora sem você. Que eu não posso e nem quero ir sem você a lugar nenhum. Que você é a base de toda boa escolha e é o melhor parceiro pra uma aventura e que sem você eu não queria comemorar nada, me aventurar a nada. Na verdade que tudo o que eu queria era ficar encolhida no escuro porque apesar de um milhão de babacas ao redor, nenhum deles era você. E nenum deles acrescentava um comentário engraçado a cada frase que eu dizia. Nem me olhava com olhos-de-segurar-riso quando eu falava sério mas soava engraçado. Ninguém com seu sorriso. E quando eu percebi que não daria mais nenhum passo sem você, com os olhos assustados olhei ao redor, você estava ali diante de mim, imóvel e sorriu “vamos esquecer tudo isto”. E deitamos. O silêncio do teu olhar só me fazia ter certeza de que você era minha maior descoberta. E que a monotonia que descobrimos pode ser chamada de paz. E que nós finalmente a encontramos, embora ela já estivesse instalada aqui há tanto tempo. Estava naquelas tardes em que o silêncio se escondia nos nossos lábios mas que nossos olhos falavam, nas madrugadas em que passamos assistindo desenhos e rindo, nos cafés da manhã na cama e nos lanchinhos da tarde e no sono velado. Descobri que nem mesmo a maior aventura do mundo se comparava com o nosso tédio santo recheado com comidas gostosas e piadas bobas. Descobri que essa sou eu, e que não seria tão eu se não fosse você, então obrigada. O ventilador permanece rodando. E rodando, rodando. Som de nanar criança, cafunés, beija minha testa, meus olhos, minha boca, me abraça. Descobri a paz, o amor, a calmaria, descobri que descobriremos juntos os filhos, as fraldas sujas, re-descobriremos o primeiro dia de aula, descobriremos uma criança aprendendo a ler, a paciência, a divisão das contas, o aperto, a economia, as férias de verão. Descobriremos a vida, dia após dia, ano após ano. Até descobrirmos a velhice e a morte. Pra descobrirmos que nós sempre estivemos juntos e que sempre estaremos.