domingo, 26 de fevereiro de 2012

"Olha,
Entre um pingo e outro
A chuva não molha."
 Millôr Fernandes 
"E pra te falar ainda mais a verdade, eu acho mesmo que você foi o príncipe que eu esperei a vida inteira. Você chegou e me levou embora. Levou embora a menina que tinha medo de sentir a vida e esperava uma salvação para tudo. Quem sobrou é essa desconhecida que se conhece muito bem em suas bizarrices, lê jornais todos os dias, substituiu o bege pela cor do verão, tem uns pais gente boa ainda que malucos, adora os poucos e estranhos amigos, não espera mais pelo cavalo branco mas fica ansiosa pelo início da novela e talvez esteja pronta para amar de verdade. Amar um homem e não um príncipe."
 Tati Bernardi 

doce cotidiano

Eu observava aquele papo da reunião das mulheres casadas dizendo da labuta que é manter a casa em ordem, e sinceramente sempre fui do tipo que preferia estar lá fora bebendo com os homens da família falando sobre times de futebol ou pescaria, embora entedio-me facilmente com ambos assuntos, em especial a pescaria que sempre foi uma tragédia pra uma menina serelepe como eu, mas enfim. As mulheres reclamavam das toalhas molhadas em cima da cama e do trabalho que era manter a casa e algumas o emprego fora de casa e aquele fuzuê sempre me assustou completamente sobre o assunto. Afinal, pra quem me conhece pessoalmente isso não é nada fora do comum, já que eu sou totalmente desprendada. Minha organização é uma desordem total, começando pelo meu quarto, que no quesito bagunça ganha de qualquer quarto de menino, por exemplo. Não sei costurar, mas sei fazer vagonite e ponto-cruz, embora perca sempre a vontade de terminar no meio do bordado. Não sei passar a roupa com muita frescura também não, sei passar, mas aquilo de goma também não sei. Sei limpar, passar um pano, varrer. Mas uma casa não é feita de varrer e passar pano, como me ensinaram as mulheres. Por fim, pra terminar de foder com meu curriculum só sei cozinhar purê de batatas, sei fazer arroz e fritar batata, salsicha, bife e etc (ovo não sei), sei fazer macarrão, ferver leites e sei fazer alguns doces, então pelo menos de fome meu marido não morre. Mas dai pra eu querer casar ainda tem muita coisa pra dizer. Eu quando criança disse que sempre moraria com os meus pais, depois na adolescência quando me perguntavam sobre  casar eu sempre diria "jamais, vou morar sozinha sem homem pra encher o saco" e pronto, tá né. Dai você conhece alguém que te dá uma saudade danada logo quando vai embora, e que você quer tomar banho junto, dormir abraçadinho, cozinhar pra pessoa, almoçarem e jantarem juntos, ter um filho com a cara da pessoa, aceitar as toalhas molhadas e reclamar sobre a bagunça da casa e ouvi-lo reclamar de volta, e mandá-lo pro inferno e depois fazer as pazes e acabar se tornando uma velhinha sentada na varanda de mãos dadas com o marido. E mesmo que se torne uma rotina, eu sinceramente não vou achar ruim. Não é possível que seja ruim com ele por perto, entende? E eu sei que um belo dia de sol vou reclamar de tudo nele e até olhá-lo vai me irritar, afinal ele não é perfeito e ainda bem que não. Porque eu não suportaria acordar todos os dias descabelada e mal humorada  com um ícone da perfeição. O perfeito é tedioso. E sabe, bagunça a gente arruma junto, aprender a gente aprende com o tempo e o que não der certo a gente dá um jeito. Um dia vou observá-lo pela janela e ele estará sentado bebendo com os homens lá fora e eu, na cozinha vou dizer para as mulheres da família "e as toalhas molhadas em cima da cama? grrr" e uma delas vai dizer "nossa fran, nem me fale" e eu vou olhá-lo mais uma vez entretido e vou sorrir lembrando que um dia eu escrevi sobre isso. E vou lembrar também que amo tanto que não saberia como seria viver numa casa sem as toalhas molhadas dele.
Só sei dizer que TE AMO. E quase morro de saudade (sempre).
(...) Caminhei apressadamente e sabia que tudo o que eu precisava era um pouco de fôlego, de olhá-lo firmemente nos olhos e me abrigar dentro daquele abraço mais quente e confortável do mundo. Mesmo ofegante continuei a andar rápido e só diminui a velocidade quando o vi. Estava sentado no banco da praça até que parei e olhei-o e a saudade que doía foi sumindo, sumindo. Ele inclinou a cabeça um pouco pra esquerda e sorriu. Levantou-se e enquanto passava os braços ao meu redor observei todos os problemas do mundo desaparecerem. 
"Estava com saudades" - Dissemos em uníssono.

Humanos

Andei observando pessoas de gerações diferentes. O modo de falar, de agir e de pensar. Observei religiosidade, forma de gesticular com as mãos e com os olhos enquanto fala. Li em algum lugar que a geração anterior sempre tem a mania de se achar mais sábia que sucessora e mais tecnológica que a antecessora dela. E as pessoas sempre tem mania de supor algo sobre as outras, como se com os seus medos pudesse supor o que a outra teme, e com a sua forma de sentir pudesse prever como a outra sente. Observei o modo de amarem, também. E enquanto escuto uma canção instrumental romântica composta a 250 anos atrás, sinto dentro de mim, como se eu pudesse apalpar as notas e espremer, tirando delas palavras que compõem esse texto. Das conclusões que tenho sobre as pessoas, é que elas ainda se apaixonam, ainda sentem prazer em pegar nas mãos, e que a maioria delas fizeram sexo antes do casamento, mesmo quando isso parecia ultrajante pra época, o perigo foi menor que o desejo que sentiam. Aliás observei que as pessoas sempre quiseram o que sabiam que não podiam ter, fazendo o que todos diziam que não podiam, a maioria idealizando pessoas perfeitas e inexistentes, e por tanta ambição em estar com alguém totalmente insento de defeitos é que tanta gente se fodeu ao longo da história, mas observei que a maioria delas com experiências fracassadas acumuladas perceberam em algum ponto da vida que o amor tá ai pra fazer a gente feliz, e não pra fazer de nós virgens pálidas chorando a beira de um lago de frustrações e solidão. Observei que não sou a única pessoa que só não enlouqueceu porque escreveu, e que cada pessoa tem sua maneira de sobreviver em meio a toda essa insanidade que nos é imposta. Observei que a maioria das pessoas preferem pagar pra ver, o que eu particularmente acho muito bom. Afinal, é melhor você saber que foi um fracasso do que nunca saber se poderia ter sido um sucesso. Fui aprendendo que as pessoas são uma combinação de sentimentos que carregam e de histórias que viveram, e que uma coisa está ligada a outra, inclusive. Aprendi que sendo assim, embora sermos todos iguais, não existe ninguém igual a ninguém, porque mesmo que o cenário seja o mesmo e as falas sejam iguais, nós não seremos os mesmos e que quem nós somos influi totalmente em tudo. Sobre nossa única certeza de que nascemos e morreremos só buscamos sobreviver cada um à sua forma, Pois embora tudo mude, nada muda.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Sobre a onipresença offline

Acho que as pessoas acham que quem não acredita em deus apenas não ter fé, não tem nenhum escrúpulo ou temor. Assim sendo, a pessoa que não acredita em deus é capaz de qualquer coisa, né? Errado. Apenas as bases do meu caráter e consciência não dependem de um deus ou temor dele. O que vocês podem me dizer de Hórus, Mitra, Attis, Krishna, Dionysio e Jesus? Bem, são todos meninos filhos do sol, todos nascidos no mesmo dia, a mesma história contada por milhares de anos, embora a de Jesus mereça palmas, por ser o plágio mais bem feito e a versão mais conhecida da história, já que tirou o foco de todas as outras. 

“Acreditar é mais fácil do que pensar. Daí existem muito mais crentes do que pensadores.”
Bruce Calvert


Sinceramente queria deixar bem claro que respeito os credos alheios, diferentemente de muitos crentes (todo aquele que crê é crente) que ficam com alfinetadas entre si, por exemplo os cristãos:
Católicos sobre evangélicos: desrespeitam Maria
Evangélicos sobre católicos: acreditam em falsos deuses
Católicos/Evangélicos sobre espíritas: endemoniados
Vocês mesmos que amam um só deus (assim deveria ser pelo menos) arrumam confusão entre si próprios, e embora vocês devam estar coçando pra digitar uma longa (e agressiva) réplica ao texto, termine de ler antes.

Já que tudo provém de um deus, e nenhuma folha cai da árvore se deus não quiser, porque então a bomba atômica foi inventada? Sim, são muitas pessoas que deus criou. Mas se eu fosse deus,e fosse tão onipresente como ele é (ou deveria ser) teria logo acabado com essa ideia de quem a criou, já que todas as ideias provém de deus. Certo? Ou se mesmo assim não desse certo, que desse um piripaque no indivíduo e ele morresse antes de terminar seu projeto. Mas todos tem livre arbítrio né? Taí outra coisa que não entendo. Eu tenho lívre arbítrio pra fazer o que quiser, mas se deus fosse tão pai quanto dizem que ele é, cuidaria dos filhos ao redor desse que tá usurfruindo mal do livre arbítrio, exemplo: um ser humano tem livre arbítrio pra se matar, afinal essa é uma escolha dele. Mas não deveria ter livre arbitrio de deus pra matar os outros, afinal essa não é uma escolha dele. Se deus deu o tal livre arbitrio para um filho, deveria cuidar dele (e puni-lo) adequadamente para que esse livre arbitrio não interferisse no livre arbitrio do outro. Além do mais, um pai deixaria um filho morrer ainda criança cheio de sonhos e vontade viver pra mostrar algo pra outro filho? Um pai faria um filho, deixaria-o nascer e crescer pra quando ele tivesse no auge de sua juventude morrer porque isso seria um propósito? Não. Um bom pai daria a vida pelo seu filho. Um bom pai cuidaria do seu filho. Um bom pai tiraria o pão da boca pra alimentar seu filho, e você, deus? Porque não faz seu maná santo cair sobre seus filhos e alimentar seus filhos com fome? Há crianças passando fome enquanto você agradece a deus pela fartura em sua mesa. Que pai é esse que dá fartura pra um e não alimenta o outro? Se uma folha não cai, porque é que não cai comida como nas suas histórias? Por quê?

UMA GRANDE DÚVIDA
Deus sabe o futuro. Deus sabia como eram as criaturas que ele fez. Então, mesmo assim colocou o fruto do pecado bem no meio do jardim com Adão e Eva, e disse-lhes que poderiam comer de todos, exceto aquele. Deus sabia que tinha criado duas criaturas cheias de curiosidade e deus sabia o futuro, então deixou-os sabendo que eles comeriam. Deus sabia que eles comeriam, mas não fez nada pra impedi-los. Por que? E onde é que deus estava enquanto acontecia essa ato (cadê a onipresença?)?
Os filhos de Eva nasceram fora do paraíso, como se fossem culpados dos atos de seus pais. Porque Deus não deu uma chance a aquelas crianças? Deus não perdoou o pecado original e depois mandou seu único filho (o que já tira a lógica de que nós somos filhos também) para salvarnos desse pecado que ele mesmo criou. Entendem? Não né, mas deus não pode ser questionado, é pra ser vivido. (Até porque não teria argumentos válidos)

Existem pessoas sendo baleadas, estupradas, molestadas, crianças sofrendo maus tratos, passando fome, existe político roubando o dinheiro público que iria melhorar a vida dessas pessoas, existe prostituição infantil em troca de um prato de comida, existe pedofilia, tortura com animais, existe enfermeira batendo em idoso e bebezinho incapaz de se defender ou denunciar esse absurdo, existem pessoas sem o mínimo de conforto ou condições básicas de vida vivendo por como indigente por ai que você finge nem ver, passa com medo que te peçam as coisas, finge que nem viu. Dá uma moedinha de vez enquando e acha que vai mudar o mundo com isso, acha que teu deus vai se orgulhar de você por uma simples moedinha. Porque ao invés de encher o cu de pastor/padre/rabino/conselheiro espiritual pega o teu dízimo e dê pra alguém que realmente precisa. Não precisa ir longe, não se faça de bobo. Eu não preciso de deus pra ajudar as pessoas, eu não preciso de deus pra amar o próximo. Acho que esses princípios não deveriam depender de uma fé. Acho que deus - se existisse - deveria parar de querer ser tão adorado e fazer o que pregou. Parem de achar que quem não serve a deus serve ao diabo, porque sinceramente acho que se ambos existissem estariam juntos tomando um chazinho e comentando sobre o caos que aqui está, ambos indiferentes a dor de todos nós, talvez se alfinetando pra ver qual deles é o mais pop, só consigo imaginar duas criaturas tão iguais juntas. Acho que se deus existir e for como descrevem, o sol é seu umbigo, afinal ele não suportaria ver o mundo girando ao redor de outra coisa que não fosse ele mesmo. Então, pra terminar, só quero dizer que realmente não acredito em deus. E não sou mais boa ou mais má por isso. Só sou a mesma pessoa com os olhos mais abertos e questionando mais. Se questionar leva pro inferno, como vocês mesmo dizem, eu vou pra lá sorrindo. E só pra terminar, se deus existir e um dia vier me julgar por isso acho que antes teria que explicar muita coisa, acho que um juíz não pode julgar se não for digno. Agora podem crucificar. 
A gente vive e no caminho bate de frente com aquelas pessoas que são simplesmente a sua metade da laranja. Não no sentido amoroso, mas no sentido pessoal. No meu caso, e nem precisei viver muito pra encontrar, pois no começo da minha história tive a felicidade de ganhar essa pessoa de presente. Ela é incrivelmente o meu oposto, mas me completa de uma maneira que qualquer pessoa igual a mim jamais iria completar. Ela é as vezes ausente, e eu também sou, mas sempre atendemos o chamado e sabemos quando uma precisa da outra. Ela é ironicamente o meu avesso, mas foi sempre o primeiro dedo da mão em que contei meus melhores amigos. Ela é você, e você pra mim é insubstituível. Mesmo com tantas diferenças, eu te amo muito, você sabe que jamais vou deixar de te achar especial ou de te amar. Sempre, minha prima-irmã-amiga-tudo.


De Camila Passos

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012


A vida é incontornável. A gente perde, leva porrada, é passado pra trás, cai. Dói, ai, doi demais. Mas passa. Está vendo essa dor que agora samba no seu peito de salto agulha? Você ainda vai olhá-la no fundo dos olhos e rir da cara dela. Juro que estou falando a verdade. Eu não minto. Vai passar.


Caio Fernando Abreu
No gesto que toca
A gente na alma
No modo, dois jeitos
Mas diferentes
É que somos iguais


Nando Reis
E meu coração embora
Finja fazer mil viagens
Fica batendo parado
Naquela estação…


Caetano Veloso 
Achei uma caixa velha com desenhos, cartas, textos e bilhetinhos de aproximadamente oito anos atrás e nem pareceu tanto tempo quando eu os peguei na mão. Eu li e reli e quando eu chegava na metade já sabia exatamente como terminariam. E achei uma redaçãozinha que fiz pra mim mesma no futuro. E li. E já sabia cada palavra embora só tenha visto aquele papel quando o escrevi e agora que o li.  Eu, que não lembro nem do que comi ontem me lembrei de coisas que contava pra mim mesma, que havia escrito a anos. E agora, concluo que o que eu mesma quis dizer pra mim era um sincero pedido de desculpas por tudo. Pela teimosia, tagarelice e extrema fé na mudança das pessoas. Pedi desculpas pela minha capacidade de achar que todos tem um lado bom. Pedi desculpas pelas paixões frustradas que ia ter - e tive mesmo. E depois de tanta rasgação de seda desnecessária já que eu sou íntima de mim mesma, o que restou ecoando da minha cartinha direto do passado foi basicamente: "viu como você não mudou nada?"

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012


"Acomode-se.
Não na cadeira
mas em meu coração
Faça-o de sua casa
E se puder
livre-se da anfitriã
designada solidão."



Talvez seja essa minha mania de tentar consertar o mundo. De tentar mostrar um caminho mais fácil e menos dolorido pras pessoas que eu quero poupar de passarem o que já passei. Talvez essa mania teimosa que não perco nunca de tentar organizar a vida das pessoas que amo, de tentar tapar buracos, de resolver problemas só tenha me trazido buracos e problemas. Porque eu, melhor que ninguém sei que mesmo que a torcida do Corinthians e do Flamengo juntas te disserem "não faz isso que você vai se dar mal" você faria até descobrir por você mesma. Porque você sempre pensa que pode mudar o conceito de alguém, que pode cicatrizar as feridas. Mas nunca cicatriza, pelo contrário. A pessoa ferida vai te ferir ainda mais, porque aprendeu com as feridas dela que o ataque pode ser uma boa defesa. E não vai se importar com a dor de ninguém porque acha que ninguém se importou com a dela. Mas ainda assim, eu ainda concordo com quem paga pra ver e descobre por si mesmo, afinal, o que mais dói não é o gosto amargo da frustração, a dúvida de "o que poderia ter sido" é ainda maior. Por isso hoje, por mais que eu queira pegar no colo e te colocar com os pés no caminho mais fácil, eu só desejo boa sorte e um bom ombro amigo pra descansar e buscar fôlego quando tudo parecer emocionalmente dilacerante. 


Para Jamy.
Rodava as horas pra trás 
Roubava um pouquinho 
E ajeitava o meu caminho
Pra encostar no teu.

Chico Buarque

- Os homens do teu planeta, disse o principezinho, cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim e não encontram o que procuram. 
- Não encontram, respondi.
- E no entanto o que eles buscam poderiam ser achado numa só rosa.


Antoine Saint Exupéry 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Estou parado no vácuo, contando as horas e as besteiras que eu faço. Mas sou teimoso, não quero fazer disso um drama. É mais um domingo infeliz sem você, mais um dia que não alcanço mais aonde vão meus sonhos. Não importa se meus passos são pra trás, contanto que o comprimento das minhas pernas siga distanciando minha saudade do chão.


 Gabito Nunes

- Me diz, onde é que a gente vai se casar?
- No melhor lugar do mundo.
(silêncio)
- Na sua cama ou na minha? 
Dias maravilhosos em que os jornais vêm cheios de poesia e do lábio do amigo brotam palavras e eterno encanto. Dias mágicos em que os burgueses espiam, através das vidraças dos escritórios, a graça gratuita das nuvens
 Mario Quintana 
(...) Segurava numa mão todas as promessas quebradas, que como cacos cortavam-lhe e faziam o sangue escorrer dentre seus dedos. E cansada de todos os amores forjados, embebedou-se de dor e cantarolou verdades enquanto cozinhava as consequências à fogo brando. Dizia sempre que a vida era um redemoinho e ao redor sorriam sem vontade. Mentira por mentira, ela se despia e depois se despedia. Talvez a estranha tivesse se perdido no labirinto das pessoas comuns nas rotinas banais.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Esperamos e esperamos. Todos nós. Não saberia o analista que a espera é uma das coisas que faziam as pessoas ficarem loucas? Esperavam para viver, esperavam para morrer. Esperavam para comprar papel higiênico. Esperavam na fila para pegar dinheiro. E, se não tinham dinheiro, precisavam esperar em filas mais longas. A gente tinha de esperar para dormir e esperar para acordar. Tinha de esperar para se casar e para se divorciar. Esperar para comer e esperar para comer de novo. A gente tinha de esperar na sala de espera do analista com um monte de doidos, e começava a pensar se não estava doido também.


Charles Bukowski
Exatamente assim. Pesada, sufocada. Ando com uma vontade tão grande de receber todos os afetos, todos os carinhos, todas as atenções. Quero colo, quero beijo, quero cafuné, abraço apertado, mensagem na madrugada, quero flores, quero doces, quero música, vento, cheiros, quero parar de me doar e começar a receber.


Caio Fernando Abreu
Fiquei olhando, também, através da janela, para o horizonte de um azul tão pálido que se tornava difícil distinguir a linha divisória. E eu pensei: enquanto existir isso, enquanto eu estiver viva e puder contemplar este sol e este céu sem nuvens, enquanto isto existir, não poderei ser infeliz.


O Diário de Anne Frank
Espero que tenham aproveitado bem aquelas últimas horas. Espero que não as tenham desperdiçado em tarefas insignificantes como acender a fogueira ou picar legumes para o jantar. Espero que tenham cantado juntos, como faziam tantas vezes. Espero que tenham se recolhido à nossa cabana e passado um bom tempo nos braços um do outro. Espero que um tempo depois, tenham-se deitado bem juntinhos e conversado em voz baixa algumas bobagens. Espero que tenham aproveitado-se um ao outro, ocupando em se amar, até chegar o fim.


É uma pequena esperança, e inútil na verdade. Eles estão mortos de qualquer jeito.


Mesmo assim, eu espero.




Patrick Rothfuss 
A vida bateu na minha cara, muitos dias seguidos, sem poesia nenhuma que era pra me deixar sem vontade alguma de abrir os olhos. Só que os olhos são meus e cabe a mim saber até onde é bom enxergar.


Tati Bernardi
Eu vejo uma cena com um corpo nu encolhido no chão gelado, ao lado de uma mesa com alguns copos vazios e uma garrafa tombada e vazia. Um som de vinil preenche o ambiente com uma melancolia que rasga até aqueles que não se impressionam com facilidade. Afinal, até os mais fortes sentem dor em silêncio. E é em silêncio que o corpo chora nu, sem nenhum gemido ou sussurro. E mesmo que gritasse, não faria a mínima diferença. As vezes a gente chora mesmo sabendo que não vale a pena, muito menos a lágrima. Mas choramos mesmo assim. Com a mão sobre a boca, arranhando as coxas e puxando o próprio cabelo. Choramos enfiando a cara no travesseiro ou encolhidos no chão frio. Todos choramos em algum ponto. Todos sofremos em algum ponto. E eu olhava a cena e me via ali, deitadinha sobre o piso gelado. E o som do vinil me cortava assim como doía no corpo. Eu abraçava a mim mesma e repetia que "tudo passa" porque foi assim que sempre encarei meus medos e minhas dores. E quase todas passaram. Mas essa por algum motivo era uma ferida exposta que nunca cicatrizava por completo. As vezes de tanto latejar ia se anestesiando, mas sempre alguém metia o dedo pra tentar melhorar, e fazia com que doesse ainda mais. Eu sempre gostei de lembrar coisas, que por mais que fossem tristes eram boas, porque existiram. "As memórias nunca morrem" eu li uma vez. Mas hoje, sinceramente acho que as memórias podem ser uma maldição. As memórias podem ser insetos devoradores de cimento que se instalam nos seus alicerces, e te derrubam quando você já construiu castelos em cima. Mas é no chão que as memórias te observam e te mostram que você é uma completa idiota romântica que mesmo que sabe que não existe nenhum motivo pra seguir em frente, corre na esperança de encontrar algo. Mesmo sabendo que não tem nada pra te segurar lá embaixo, se joga no precipício das tentações e quando se quebra em mil pedaços quando cai, levanta-se e cola-se e volta no mesmo ponto. Porque por mais que você queira fugir, existe um registro perfeito daquele amor-mais-lindo-de-todos-que-você-viveu dentro de você. Talvez você tenha coragem pra pegar as roupas e ir embora sem olhar pra trás. Talvez você tenha coragem de vomitar as palavras de cacos de vidro que te cortavam a garganta a tanto tempo, mas sempre haverão dois olhos perdidos no tempo cuidando de alguém que não cuida nem de si mesmo, amando alguém que não gosta de ninguém além dele mesmo. Apenas mais um oportunista safado que te quer enquanto não aparece uma melhorzinha, que diz as coisas mais lindas com a vozinha de criança mais adorável e a boca mais suja de mentiras do mundo. Apenas mais um oportunista que você terá encontrado na vida, afinal. Mas por que é esse cara tão vazio e cheio de problemas que te faz pausar o que quer que seja que você está fazendo pra saber se ele está bem? Aquele imbecil que te faz perder o sono porque você está preocupada. Que te enche de dúvidas. Aquele que todos dizem "não confie" mas você aparentemente acha que dessa vez vai ser diferente, e nunca é. Quando olhei de outro angulo, o corpo nu estava se afogando no próprio sangue e sobre seu rosto haviam meus traços. As vezes a gente precisa matar um sentimento que mora dentro de nós. Porque se não o matarmos, ele vai nos matando.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A menina translúcida passa.
Vê-se a luz do sol dentro dos seus dedos.
Brilha em sua narina o coral do dia.
Leva o arco-íris em cada fio do cabelo.
Em sua pele, madrepérolas hesitantes
pintam leves alvoradas de neblina.
Evaporam-se-lhe os vestidos, na paisagem.
É apenas o vento que vai levando seu corpo pelas alamedas.
A cada passo, uma flor, a cada movimento, um pássaro.

Cecília Meireles
Naqueles dias
em que o Sol se esconde atras das nuvens
eu costumava pensar em nós.
Naqueles dias
que eu achei que não aguentaria mais
eu pensava em você e aguentava mais um pouco.
Naqueles dias
que morria mais um pouco
eu pensava em você e esperava que você viesse me buscar.
Naqueles dias
em que nada fazia sentido
em costumava olhar nossos vestígios.
Naqueles dias
em que apenas o vão ficava
a solidão segurava minha mão
e eu sonhava os sonhos que costumávamos sonhar juntos
Naqueles dias 
que você não pensava em mim
eu pensava em você
todo o tempo
o tempo todo.
Saudades.
- E só pra completar essa verdade bendita ou maldita, não sei se felizmente ou infelizmente: as memórias nunca morrem.
Se não era amor, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não se sabe se vai ser antes ou depois de se chocar contra o solo. Eu bati a 200 km por hora e estou voltando á pé pra casa, avariada.
Eu sei,não precisa me dizer outra vez. Era uma diversão, uma paixonite, um jogo entre adultos. Telvez este seja o ponto. Talvez eu Não seja adulta o suficiente para brincar tão longe do meu patio, do meu quarto, das minhas bonecas. Onde é que eu estava com a cabeça, de acreditar em contos de fada, de achar que a gente muda o que sente, e que bastaria apertar um botão que as luzes apagariam e eu voltaria a minha vida satisfatória,sem seqüelas, sem registro de ocorrência? Eu não amei aquele cara. Eu tenho certeza que não. Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada.
Não era amor,era uma sorte. Não era amor, era uma travessura. Não era amor, eram dois travesseiros. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor, era de tarde. Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem medo. Não era amor, era melhor.



Martha Medeiros
Como saber quanto é demais? Demais, cedo demais. Informação demais. Diversão demais. Amor demais, ou demais pra se pedir de alguém? Quanto é demais de tudo pra que consigamos suportar?


Grey’s Anatomy
Melancolia 
Maneira romântica de ficar triste.


Mário Quintana
Foi até a esquina tão lentamente que até parecia procurar alguma coisa minuciosamente no chão. Observava cada detalhe, cada pássaro no fio e cada formiga cumprindo seu trajeto. Voltou tão cansada como se tivesse atravessado a cidade a pé. Fez sua viagem e espareceu a mente com a rapidez de um pensamento. Agora serelepe brincava com o meu cabelo enquanto descrevia as paisagens até então despercebidas. Alimentou o sorriso de raios de sol. E tudo isso, que possa parecer ser tanto, é pouco pra ela.
Não há castigo infinito. Não há dor infinita. Um dia a gente termina para começar, começa para terminar, refaz o percurso como se nada tivesse acontecido antes. Deixe-me apenas uma cadeira de palha, amarela, para olhar com piedade o que fui e me deslumbrar com as ruínas.


Fabrício Carpinejar
Sensível pra cacete, maldosa na mesma intensidade, feliz de andar cantando e depressiva de nunca achar que uma janela é só uma janela. E cheia de manias bem estranhas (…) Eu sou sim a pessoa que some, que surta, que vai embora, que aparece do nada, que fica porque quer, que odeia a falta de oxigênio das obrigações, que encurta uma conversa besta, que estende um bom drama, que diz o que ninguém espera e salva uma noite, que estraga uma semana só pelo prazer de ser má e tirar as correntes da cobrança do meu peito. Que acha todo mundo meio feio, meio bobo, meio burro, meio perdido, meio sem alma, meio de plástico, meia bomba. E espera impaciente ser salva por uma metade meio interessante que me tire finalmente essa sensação de perna manca quando ando sozinha por aí, maldizendo a tudo e a todos. Eu só queria ser legal, ser boa, ser leve. Mas dá realmente pra ser assim?


Tati Bernardi
(…) O que obviamente não presta sempre me interessou muito. Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão.


Clarice Lispector

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Sou encantada por histórias antigas. Aquela coisa de pegar na mão e sorrir e ficar com bochechas vermelhas. Aquela coisa de ceder o casaco a moça com frio, de abrir a porta, carinhos inocentes, flores colhidas nas plantas das calçadas mesmo, ou do quintal de algum vizinho, quem sabe. Aqueles casais de idosos que contam coisas da época de namoro. Aquela coisa de cartinha feita à mão, de pedir a mão em casa, sobre enfrentar ou seguir as regras rígidas dos pais. Namorar pra casar, entende? Mas sabe, esse é o único amor existente. E ele ainda vive nos casais de hoje, não estou falando daquela curtição e amores eternos de uma semana. Digo daquela coisa que ainda existe entre quem se gosta de verdade, daquele silêncio que diz tudo. Aquela coisa de interpretar sorrisos, de cavalheirismo, de carinhos mútuos. Acho que ainda existe romantismo entre quem se ama. Afinal, nem o amor, nem a forma de amar envelhecem. 
Todas as cartas de amor que hoje repousam em alguma gaveta velha e as que não foram nem escritas pelo medo da resposta. As rasgadas, queimadas, manchadas de água dos olhos ou caneta ruim. Todos os sentimentos ridículos que só são ridículos pelo tamanho da verdade, pela vontade de dizer sem motivo e mil vezes. Todas as ressacas desnecessárias das noites vazias, que seriam tão facilmente evitadas, que por pouco não são preenchidas de romance e música. Todas as palavras certas da pessoa errada e todas as pessoas erradas que insistem em tentar me fazer feliz quando são incapazes por natureza. Os risos forçados que geram lágrimas no travesseiro, as danças vazias que geram um vazio ainda maior. Os finais de semana que doem o resto dos dias. A mentira que preenche de ar o que devia ser companhia. A amargura que cresce rancor por coisas pequenas e afáveis dos que são capazes da felicidade.
É por isso e talvez por mais algumas coisas que não tem nada aqui dentro. Porque todo o sentimento que faz bem só existe pros outros, pros bonitos, pros inocentes, pros que se deixam levar e são felizes desse jeito. Eu não. Sou artista, sou mentira, sou intensidade. Não consigo aceitar pouco. Tem gente que vive de jogos porque rebaixa o amor à adrenalina, porque acha que o pressuposto dos relacionamentos é sofrer. Eu não sou assim. Não gosto de solidão a dois.
Eu tenho tentado, inutilmente, ser melhor. Me perdi no caminho e não posso voltar ao que era, tampouco posso parar de seguir em frente. Então deve haver uma maneira de evoluir sem perder o direito de sentir. Crescer sem perder a esperança nas pessoas. E aprender isso sozinha é triste: torna todo o resultado inútil.


Verônica Heiss
"Às vezes me espanto e me pergunto como pudemos a tal ponto mergulhar naquilo que estava acontecendo, sem a menor tentativa de resistência. Não porque aquilo fosse terrível, ou porque nos marcasse profundamente ou nos dilacerasse - e talvez tenha sido terrível, sim, é possível, talvez tenha nos marcado profundamente ou nos dilacerado - a verdade é que ainda hesito em dar um nome àquilo que ficou, depois de tudo. Porque alguma coisa ficou."

Caio Fernando Abreu
A vida me ensinou a entender tudo sem reclamar.
Mas fique mais, não vá embora agora que eu já quase era feliz.
— Cazuza
Mais moi, je ne t’oublierai pas.
Talvez nem me queira bem
Porém faz um bem que ninguém
Me faz.


— Chico Buarque
No meio das trevas, sorrio à vida, como se conhecesse a fórmula mágica que transforma o mal e a tristeza em claridade e em felicidade. Então, procuro uma razão para esta alegria, não a acho e não posso deixar de rir de mim mesma. Creio que a própria vida é o único segredo.
— Rosa Luxemburgo.
Ela tinha essa coisa de ao som de Comptine d'un autre été: L'après midi, sabe? Se não sabe, bota pra tocar aí, você vai entender. Ela tinha uma melancolia no sorriso que não sei definir bem. A garota dos olhos de predador me observava a cada movimento e eu podia sentir seu olhar queimando minha pele. Ela deu um meio sorriso e me disse que precisava ir. Na verdade eu não entendi muito o motivo do encontro casual. Só sei que ela falava sem ânimo de todos os seus sonhos que estavam se realizando. Eu ainda a interrompi e perguntei-lhe se ela estava bem, ela dei um murmúrio e encheu os olhos de lágrimas. E disse no meu ouvido: I'm fine, darling. Dai afastou-se e me olhou bem nos olhos e disse "Não se preocupe com essas bobagens, logo passa." E depois disse ainda mais baixo um logo passa.  Como que tentasse convencer a si mesma. Talvez nunca passaria, talvez era isso que ela mesma quisesse. Que ficasse ali corroendo aos pouquinhos, como uma dorzinha que avisa que algo ainda mora aqui dentro. 
Digitei 'desgraçado' frenéticamente até acabarem todos os caracteres, mas desisti porque diferentemente de você eu cumpro minhas promessas. E eu aprendi que é pra frente que se anda. Quanto menos olhar pra trás, menos dói. Então dei de ombros e continuei em frente até perceber que sempre estive, sempre estive na frente e sempre estive sozinha, o tempo todo.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

"Tenho frases guardadas, que fiquei de dizer quando houvesse sentido."

Gabito Nunes
É meio difícil entender, mas tem gente que prefere ficar amando o passado ou fascinado pelo futuro do que tentar viver o agora. Tem gente que prefere a melancolia de ontem e a ilusão do amanhã do que a felicidade do hoje. Abraçam coisas que já não existem ou que talvez nem existirão. E nós, é que somos loucos. Só se vive uma vez.
Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que ainda sou tua
Até provar que ainda sou tua.



Elis Regina
O meu amor tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada


O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo, ri do meu umbigo
E me crava os dentes


Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz


O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que me deixa maluca, quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba mal feita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita


O meu amor tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios, de me beijar os seios
Me beijar o ventre e me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo como se o meu corpo
Fosse a sua casa


Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz


Chico Buarque 
Ria pra mim, ria de mim, ria comigo. Das minhas piadas, do meu jeito, dos meus defeitos. Ria do que quiser, mas sempre me dê um sorriso.

Querido John 
A gente escuta um Beatles enquanto você desenha corações deitado na cama e eu escrevo “oh, you don’t realize how much I need you.” E nesses dias em que eu me sinto só, é só pensar que em algum lugar você deve estar pensando em mim. E nesses dias em que a gente briga, fica tudo meio cinza. E nos dias em que a gente faz as pazes, eu deito do seu lado e canto no seu ouvido “oh, I could never really live without you.


Caio Fernando Abreu
Ainda continua construindo castelos sobre a areia movediça, menina? Sabe, acho que é disso mesmo que você gosta: de reconstruir. Reconstruir de formas diferentes. Menina, uma hora você cansa. Uma hora dessas você só vai querer um castelo pra entrar e descansar, me ouça. E dai, você vai olhar e a areia movediça vai ter engolido teu castelo. E então, como você vai fazer? Cansada demais pra reconstruir, onde é que você vai arranjar abrigo?
- Me deito na areia movediça.
"Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Ah, se ao te conhecer
Dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir
Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu
Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu
Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios ainda estão nas minhas mãos (...)"
Chico Buarque