sábado, 14 de janeiro de 2012

“Pássaro Pesado” - ele saía rabiscando nas paredes, nas ruas, no alto dos prédios, nos muros, nos bueiros. Abria suas asas naquilo que escrevia - cada palavra caída, uma pena. Cada desistência concluída, uma pena. Cada pecado consumado, uma pena. Cada gota escarlate sendo diluída na água morna da banheira, uma pena. Ele era só. Só tristeza, só angústia, só solidão. Morria a morte de outros, sacrificava-se pelo amor de outrem, emprestava os olhos para que lágrimas intrusas escorressem, e não se sentia capaz de sentir tanto. Voava para longe, para baixo. Dilacerava seus braços enquanto rasgava o concreto em voos rasantes. Mergulhava na terra, banhava-se no manto pastoso de um planeta a beira de um suicídio. Bebia metais fundidos - petrificava-se. Os braços solidificados moviam-se com leveza enquanto suas penas coloridas balançavam-se confusas. Um grito de socorro que encharcava os pés. Aprumando-se em navalhas, dançava para ver os membros saciarem-se. Os dedos que se entortavam por golpes feitos nos olhos. Um pássaro cego, escuro, pesado. Sangrava poesia. Cortava os pulsos e música brotava nas linhas banhadas de tinta. Unhas amareladas, dentes estupidamente brancos - joelhos esfolados. A cintura que se sacudia com força enquanto dores e fracassos impulsionavam as frágeis pernas para frente. A dor era uma pena. E não havia nada mais a se fazer com um amontoado de penas, senão uma asa. Então voava, se escondia, despedindo-se da superfície descorada das flores que murcham. Absorvia a fraqueza alheia e fechava os olhos - esperançoso de que jamais se abrissem novamente. O líquido incolor vindouro das íris mutiladas e rasgadas deixava um rastro durante a queda. As vidas que cerravam as pestanas, os livros que fechavam as capas, as mãos que repousavam no peito. Um buquê posto ao lado de uma fotografia. Um momento de silêncio. Uma reverência cordial - um eterno desabrochar. Um recomeço falho. Um coração batendo mudo. 


Uma lástima, de fato. Uma pena.


Neemias Melo

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