quinta-feira, 9 de setembro de 2010

li e adorei, espero que gostem também.

Assim que chegou a Paris foi cortar o cabelo - coisa que não tivera tempo de fazer antes de sair do Rio. O barbeiro, como os de toda parte, procurou logo puxar conversa :
- Eu tenho aqui uma dúvida, que o senhor podia me esclarecer.
- Pois não.
- Eu estava pensando... A Turquia tomou parte da ultima guerra?
- Parte ativa, propriamente, não. Mas de certa maneira esteve envolvida, como os outros países. Por quê?
- Por nada, eu estava pensando.. A situação lá é meio complicada, não?
 Seu forte não era a Turquia. Em todo o caso respondeu :
- Bem a Turquia, devido a sua situação geográfica... Posição estratégica, não é mesmo? O senhor sabe, Oriente Médio..
 O barbeiro se deu por satisfeito e calou-se, ficou pensando.
Alguns dias depois ele voltou para cortar novamente o cabelo. Ainda não se havia instalado na cadeira, o barbeiro começou:
- Os ingleses devem ter muito interesse na Turquia, não?
Que diabo, esse sujeito vive com a Turquia na cabeça - pensou. Mas não custava ser amável - além do mais, ia praticando seu francês. :
- Devem ter. Mas têm interesse mesmo é no Egito. O canal de Suez.
- E o clima lá?
- Onde? No Egito?
- Na Turquia.
 Antes de voltar pela terceira vez, por via das dúvidas procurou informar-se com um conterrâneo seu, diplomata em Paris e que já servira na Turquia.
- Dessa vez entupo esse homem com Turquia - decidiu-se.
 Não esperou muito para que o barbeiro abordasse seu assunto predileto:
- Diga-me uma coisa, capital da Turquia é Constantinopla ou Sofia?
- Nem  Constantinopla nem Sofia: é Âncara.
 E despejou no barbeiro tudo o que aprendera com o amigo sobre a Turquia. Nem assim o homem se deu por satisfeito, pois na vez seguinte foi começando a perguntar:
- O senhor conhece muitos turcos aqui em Paris?
Era demais:
- Não, não conheço nenhum. Mas agora chegou a minha vez de perguntar: por que diabo o senhor tem tanto interesse na Turquia?
- Estou apenas sendo amável - tornou o barbeiro, melindrado: - Mesmo porque conheço outros turcos além do senhor.
- Além de mim? Quem lhe disse que eu sou turco? Sou brasileiro, essa é boa.
- Brasileiro? - e o barbeiro olhou, desconsolado: - Quem diria! Eu seria capaz de jurar que o senhor era turco..
Mas não perdeu tempo:
- O Brasil fica é na América do Sul, não é isso mesmo?


(Fernando Sabino - A mulher do Vizinho - 18ª edição, pág. 104)

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