domingo, 12 de abril de 2015

Sonífera ilha

Eu sou juiz e réu do meu próprio julgamento. E me condeno. Mas você me absolve.
O velho e conhecimento sentimento de inquietude. Taquicardia, mãos suando, insônia, mal humor, dificuldade de prestar atenção, de memorizar a última frase dita. "Você está me ouvindo?"- E desperto. Estou. Estou te ouvindo. Mas também estou a me ouvir, e eu grito em meus próprios tímpanos.
E saio enquanto você dorme, de madrugada. Não antes de te cobrir e te dar um beijo na testa. Isso soa bonito não livro, mas não em um mundo onde pessoas normais em um relacionamento abandonam as outras enquanto elas dormem. Rua vazia, Lua cheia, cigarros que se acendem na bituca do anterior com a certeza de que serão a bituca que acenderá o próximo.
Alguns pensamentos são como trepadeiras que se enroscam e emaranham no muro e vão subindo. E eu os podo sempre pra que não me cheguem aos olhos, mas elas cresceram rapidamente. E a culpa foi minha. Eu as adubei em pequenos momentos de fraqueza, estupidez, cansaço e tédio.
Choro, xingo, fumo e penso em como seria bom apenas desaparecer. Sem corpo, sem explicação, talvez pensassem que fui abduzida. Mas ninguém me sequestra. Eu penso em voltar, mas bati o portão e não tenho as chaves. Eu me sinto numa vida com várias metáforas como essa ocasião: Portões automáticos que bati nas minhas costas e esqueci a chave. Encontro uma garrafa de Jurupinga quase vazia. A ideia de um mendigo tê-la abandonado não me assusta, já que mendigos não abandonam garrafas com líquidos dentro, ainda mais líquidos que custam vinte e dois reais o litro. "Que nojo!"- Você diz na minha mente enquanto eu bebo, infelizmente, não o suficiente pra me sentir bêbada. Sento na praça.
A praça é vazia às duas da manhã como não costumava ser quando eu tinha dezesseis. E nem eu, tão sozinha dentro de mim ou cercada por mil amigos que não sei se me amam ou se me aturam. E a sensação de estar incomodando nunca mais saiu de mim, talvez a pedra esteja apenas na minha mão, na minha cabeça. Talvez eu mesma é quem tenha travado as engrenagens.
Nessas situações, como num filme brasileiro de baixo orçamento, entraria num bar e compraria uma dose de pinga. Que custa, em média, dois reais. Mas eu não um puto, é claro. E os cigarros que eu fumo na fuga, foi você quem comprou. Uma puta fumante que foge à surdina. Fico estática olhando a árvore, a fonte, a praça que dividem comigo a sua solidão.
Não demoro a me lembrar que a praça tem wifi grátis da prefeitura e então, no desespero de te causar alguma mágoa te metralho de áudios mal-ditos (ou malditos?) e palavras com letras erradas de dedos molhados de nervosismo escorregando pelo touchscreen.
E eu dizia "Tudo o que eu mais queria na vida era poder dizer que eu sou a pessoa que você está procurando" e dentro de mim eu só queria ter me alinhado ao teu sono bonito e adormecido contigo, mas eu não tinha sono e por quanto tempo poderia fingir dormir sem te acordar?
E meu chorinho infantil com palavras tantas coisas que eu não disse mas deixei falarem por si só terminaram com uma ligação-despertador, por que a minha bateria estava acabando e porque eu não queria que a noite acabasse sem saber qual seria a minha sentença. E você foi até lá. E eu pulei no seu pescoço. Você me abraçou e nós estávamos distante de tudo. Minha cabeça silenciou, a trepadeira foi podada, minhas mãos estavam secas e meu coração em paz. "Está tudo bem"- Você disse. E estava.
Mas eu, de uma forma ou outra, acabei acordando você.

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