sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Epifania

Uma velha sentou-se na minha calçada, acendeu um baseado e começou a falar, na verdade não sei se notou minha presença e falava pra mim ou se falava pra si mesma. "Quando eu era jovem me sentava nessa calçada de madrugada e fumava. Meus pais sabiam que eu fumava, mas nunca fumei na frente deles. Uma vez eu fiquei imaginando que era uma velha sonhando que era jovem. Eu nunca soube se tinha razão. Eu sempre tive essas ideias incompreendíveis, mas nunca desisti delas. Sempre que fumava aqui lembrava de que essa rua tinha sido minha vida. Morei em 3 casas nessa mesma rua, nesse mesmo quarteirão. Ali eu fui uma criança que aprendia a andar e a falar. Ali uma mocinha que brincava de bonecas numa toalha estendida na calçada. E aqui eu fui uma moça problemática que sentava na calçada e fumava. Aqui um dia eu sonhei que era velha e fumava um cigarro. Aqui eu questionava a existência de Deus e de mim mesma. Aqui eu questionava a vida. Eu costumava pensar que a vida era um sonho. Que dentro de cada cabeça tinha um universo inteiro e que sonhávamos viver eternamente, por isso a vida não morria. Nós humanos nos julgamos espertos, mas nós não sabemos de nada. Nós não sabemos nem onde estamos. Victório Cavalleri, São João, Votuporanga, São Paulo, Brasil, América do Sul, Terra, Sistema Solar, Braço de Órion, Via Láctea, Cosmo... Onde? Onde é que nós estamos? Nós não sabemos quem somos, de onde viemos e nem pra vamos. Mas nós fingimos saber. Nós respiramos e isso é tudo. Uma fibrilação atrial por exemplo, pode acontecer a qualquer momento a qualquer pessoa e nos causar a morte mas nós vivemos sempre pensando que vai haver mais tempo. E geralmente, não temos. Nós nos preocupamos com o futuro, como se nunca fossemos chegar a ele. Eu cheguei aqui, mas sempre pensei que não chegaria. O cheiro daqui ainda é de dama da noite. Eu sempre achei que flores cheirassem a velório. E sempre que sentia esse cheiro cogitava a hipótese de já ter morrido. Mas dentro da minha cabeça ter continuado vivendo. Como é que você sabe que não é um espermatozóide que não fecundou? Ou que morreu naquele acidente que, por acaso, você estava ausente no momento exato? Como é que você sabe que alguém que morreu por estar na hora errada no lugar errado não imaginou que estava em outro lugar e, dentro da cabeça dele continuou vivendo? Não há como saber, achava. E continuo achando. As pessoas riam, algumas entendiam e achavam genial. E eu sempre pensei em escrever sobre isso. Loucuras epifânicas não são levadas a sério, mas isso não quer dizer que sejam mentira. Talvez nós estejamos todos mortos. Quando eu era jovem eu cogitava a hipótese de ser uma velha lembrando da sua vida, sonhando ainda ser jovem. E hoje velha, eu cogito a hipótese de ser uma criança imaginando como será sua vida dentro do útero de sua mãe, quem pode saber?
Talvez eu devesse ter passado uns anos fazendo terapia, mas a claridade demais cega, menina. E verdades possíveis viciam. E quando eu nascer e ser um bebê que aprende a andar naquela casa de novo, você decidirá ser como sou ou ser qualquer uma outra, porque existem milhões de possibilidades. Mas talvez um dia, você seja uma velha que conseguiu falar com você mesma anos mais jovem que vai ficar te olhando meio assustada meio querendo sorrir, que vai entender toda a sua loucura, porque ninguém te entende melhor que você mesma. E vai te dar a ponta e te desejar boa sorte." E estendeu a ponta pra mim.

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